Faz algum tempo que não lia algo capaz de gerar uma sensação de estranhamento como este livro. Ele começa rápido, despejando no leitor muitas gírias e termos específicos, e uma sequência densa de acontecimentos e informações sobre o futuro distópico cyberpunk que já não pode acontecer daquele jeito, mas que ainda tem uma vitalidade de algo que poderia ter acontecido. Em meio à confusão inicial dos primeiros capítulos, nos quais o autor explica muito pouco do contexto, somos apresentados à dupla de protagonistas dessa história, o hacker Hiro Protagonist e a Kourier, Y. T. Demora um bom tempo até que o leitor se habitue ao texto e comece a entender o que está acontecendo.
Hiro é um programador habilidoso que herdou de seu pai, uma espada japonesa. Ele foi um dos primeiros a codificar o ambiente virtual chamado de Metaverso. Sim, Neal Stephenson cunhou este termo, assim como nomeou como avatares, os intermediários entre usuários e ambientes virtuais, e também previu o surgimento de aplicativos como o Google Earth, tudo isso entre 1988 e 1991, período em que escreveu a obra.
Hiro conhece a jovem entregadora e skatista Y. T. e eles colaboram entre si durante o desenvolvimento da trama. Y. T. é uma personagem intrigante, jovem, destemida, boca solta, atraente e tudo isso do alto de seus 15 anos de idade. Aliás, Snow Crash não pode ser lido dentro de uma perspectiva do politicamente correto. Algumas pessoas se incomodam com a hiper sexualização da personagem. Para mim, ajudou a demonstrar e construir o ambiente decadente e amoral da sociedade semi anárquica. É uma distopia irônica construída sem o receio de chocar.
No mundo criado por Stephenson, não apenas os EUA, mas também outros países “faliram”, ou mesmo, se fragmentaram dando lugar a novas organizações e cidades estado como a Nova Sicília do Tio Enzo, A Grande Hong Kong do Sr. Lee e organizações como os Enforcers e Meta Cops que prestam serviço a pequenas nações/empresas que funcionam de modo semelhante a franquias.
O que aparentemente é uma trama sem estrutura no início do livro, se constitui numa história complexa envolvendo religião da antiga Suméria, mito da Torre de Babel, hacks neurolinguísticos, uma nova droga/vírus existente no mundo real e virtual, criação de uma nova religião, vingança pessoal, entre outros. Uma trama de algum modo complexa para ser explicada, sem gerar spoilers.
Não é um livro de leitura confortável. De fato, é um livro que divide opiniões, alguns detestam, pensam que os personagens são rasos, ou que é muito arrastado. Eu gostei, mas é bom saber que em algumas partes é um livro que se enquadraria na categoria “mindfuck“, como O Clube da Luta. Realmente, o fluxo continuo de informações é algo que dificulta a leitura. Houve passagens que tive que ler várias vezes para entender e acabou sendo uma leitura mais demorada…
O que gostei, foi justamente a capacidade que o autor teve de me transportar para uma outra realidade bizarra. As muitas sequências de perseguição, lutas e ação também são um ponto forte. Vale um salve para o Fábio Fernandes que fez um puta trabalho de tradução, pois se trata de uma obra com neologismos e de linguagem complexa. O que não gostei tanto foi do final, que foi como um corte “seco”. Penso que o livro poderia terminar melhor com um pequeno epílogo.
De qualquer modo, Snow Crash é um dos livros expoentes do movimento cyberpunk e foi considerado pela revista Time como um dos 100 melhores romances da língua inglesa.
No momento em que escrevi a resenha, o livro estava disponível no catálogo do Kindle Unlimited.